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Abrigo das letras

Um blogue para interagir com as pessoas partilhando imagens, ideias e pensamentos!!

Abrigo das letras

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Entre Carvalhos e Sobreiros

Maria, 28.02.22

Iniciamos a nossa caminhada expressando os nossos sentimentos em comunhão com o povo ucraniano e o povo russo. Aos homens e mulheres que são enviados para a frente de guerra sem opção de recusa enquanto os líderes da Rússia assistem de poltrona ao invés do presidente da Ucrânia que se torna um soldado igual aos seus soldados e se recusa a estar apenas assistir dizendo "não preciso de um táxi, necessito é de munições". Comentamos actos heróicos dos ucranianos que em defesa da sua pátria oferecem a sua vida e é com o coração apertado que falamos sobre as imagens que nos chegam casa adentro sobre um povo que tem que abandonar tudo e fugir carregando as suas crianças ao colo e os seus animais, deixando para trás o marido, o irmão, o pai, o amigo. Interrogámos-nos, para onde irão as pessoas?? terão lugar para onde ir?? Como pudemos ajudar??? e as respostas ficam-nos a flutuar.

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As conversas são como as cerejas e damos por nós já a falar da "pandemia", onde está ela? já ninguém fala da pandemia... se ninguém fala quer dizer que acabou.... não, não acabou, simplesmente passou para um plano menos relevante, felizmente a sua força está a esmorecer, porém não podemos deixar cair a máscara, e a guerra na Ucrânia não pode ser uma desculpa para afrouxarmos. Como pouco mais à a acrescentar sobre a pandemia e toda a gente já está a fazer a sua vidinha normal passámos ao assunto da falta de chuva.

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Por estas bandas parece que a seca não se faz sentir, constatamos que os campos estão todos verdes, que há pasto para os cavalos que vemos ao longe, para as ovelhas que estão ao nosso lado e para as vacas que tranquilas se alimentam um pouco mais além, embora não se ouça nem se veja a água a correr nos ribeiros. De qualquer forma mais uma pergunta deitamos para o ar, será que aqui choveu mais do que em outras zonas??

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Porque há mais vida para além destas realidades, passamos a aproveitar aquilo que de facto estávamos ali para fazer e, durante as horas seguintes afastamos das nossas mentes essas duas presenças,  limitámos-nos a apreciar o que a natureza nos oferece como o grasnar de um corvo, o piar de uma águia ou os barulhos estranhos que por vezes se ouvem vindos do meio do mato. 

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Observamos a flora, constatamos que a zona é muito arborizada com carvalhos e sobreiros, embora o eucalipto e o pinheiro manso também marquem a sua presença. Por vezes aparece-nos algumas subidas "manhosas" que pôem à prova o nosso desempenho nesta aventura das caminhadas, mas "metemos uma mudança mais baixa" e devagar devagarinho chegamos ao planalto. Ignoramos o marco geodésico que se encontrava bem lá no cimo do monte, o corpo já acusa algum cansaço e portanto... esquece.... fica para a próxima. Mais adiante depara-se na nossa frente um banquete, o porco está no churrasco assim como os frangos e os chouriços, cheira bem, faz lembrar ao nosso estómago que está na hora do almoço, mas o nosso ainda tem que esperar. Perguntamos em jeito brincalhão  "há lugar para mais um?" o pessoal riu-se e nós seguimos o nosso caminho.

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Ao chegamos a casa a televisão de imediato nos põe a par da dura e triste realidade do momento, os ataques agravam-se na Ucrãnia, cresce dentro de nós contra o presidente da Rússia uma revolta tão grande que dá vontade de o "esganar". Aquilo que está a acontecer agora, neste tempo que é o nosso, não cabe e não se encaixa na nossa vida. Habituados que estamos a viver em paz e habituados a ver estas coisas nos filmes e lê-las nos livros como sendo acontecimentos de eras passadas, a sensação que se tem é de que estamos a recuar no tempo e que estamos a entrar dentro dos filmes e livros e a ser as suas personagens!

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A menina das tranças pretas

Maria, 15.02.22

Sempre se achara uma menina sem graça, morena de pele maltratada, queimada pelo sol, vento e frio, olhos escuros, sobrancelhas espessas, um pequeno buço, cabelo igualmente escuro muito encaracolado, mal tratado e enrolado em duas longas tranças.

Calcorreava aqueles caminhos vezes sem conta de inverno ou verão, todas as estações do ano, tinha que ajudar os pais nos trabalhos do campo no intervalo da escola assim como os seus irmãos.

Pouca importância dava ao seu aspecto até entrar na adolescência e, sem dar por isso começou a olhar para si mesma e a comparar-se com as outras raparigas. Não gostava minimamente das suas longas tranças e achava que os cabelos curtos eram mais bonitos e davam pouco trabalho, não descansou enquanto não convenceu o seu pai a deixar-lhe cortar as tranças, ele sempre estivera renitente quanto a isso, as raparigas usavam cabelo comprido era próprio da natureza delas.

Um dia o seu pai cedeu, e a cabeleireira cortou-lhe as tranças, foi uma vitória alcançada, mas um erro tremendo do qual se iria arrepender toda a vida.

Nunca mais conseguiu deixar o cabelo crescer, o seu cabelo era demais encaracolado e muito farto, assim que crescia um pouco mais, já ela ficava com uma trunfa com a qual nem se podia olhar no espelho, a solução era cortar, cortar, começou a usá-lo sempre muito curto e já invejava as raparigas que tinham o cabelo comprido. O seu pai tinha razão. Que pena já tinha das suas fartas tranças.

Quando se é rapariga a despertar para o mundo pensa-se que se sabe tudo, o que existe afinal é uma grande ignorância própria da idade e nem sempre se gosta de ouvir as vozes que têm mais experiência de vida, até se acha que essas vozes é que são ignorantes, que não evoluem... assim foi com aquela menina, assim é com tantas meninas.

Entretanto a menina tornou-se mulher, o seu cabelo sempre curtinho, até que começou a aparecer uns fios prateados, um aqui, outro ali, ao principio não achou muita graça aquilo e foi arrancando. Quando já eram muitos desistiu e resolveu pintar, mais um trabalho, uma despesa e acima de tudo uma chatice.... durante anos pintou o seu cabelo, um dia também desistiu disso, descobriu que o seu cabelo era de um grisalho salpicado bonito. Foi elogiada por isso.

Apareceu uma pandemia, entre outros serviços também os cabeleireiros fecharam, o cabelo começou a crescer mais do que o habitual, estaria na altura de deixar crescer????

Crescer???.... sim, vamos experimentar, mas para isso teremos que o alisar.

A menina, agora mulher após uma vida inteira de cabelo curto, entra no cabeleireiro e diz que quer fazer um alisamento de longa duração. Dito, feito.

A principio achou-se estranha num cabelo que sendo dela não parecia ser o dela, a mudança foi tão radical, grisalho, liso e com algum comprimento. As outras pessoas que não a viam há algum tempo não a reconheciam, principalmente quando estava de máscara.... aquelas coisas que "primeiro se estranha e depois se entranha" .

Após dois anos de pandemia, dois anos o cabelo a crescer lisinho, já bate nas costas, vai aparando as pontas de vez em quando e está satisfeita com ele, embora várias pessoas que não estão habituadas à mudança dizem-lhe que ficava melhor o cabelo curto.

A Menina das tranças de outrora que existe na mulher madura que é hoje pouco se importa com a opinião dos outros em relação à sua pessoa, faz e usa aquilo que lhe dá prazer e a faz sentir bem na sua pele!

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Tenho que telefonar a alguém

Maria, 19.02.21

A seguir às notícias do jornal da noite, mudava de canal para a net flix, procurava um filme, de preferência histórico e longa duração para estar absorvida até à hora de dormir. Um som vindo do telefone avisa que alguém está a tentar entrar em linha, coloca o filme em modo de pausa e olha o mostrador, vê o nome, a primeira impressão que tem é - não me apetece falar com ele, estou a meio de um filme, mas logo a seguir muda de pensamento - é melhor atender - pode estar a precisar de falar com alguém, sabe que ele está sozinho.... atende.

Antes da situação pandemica que atravessamos, ele saía todos os fim de semana para se divertir os com amigos e amigas, o seu trabalho é duro e necessita daquele escape para bem da sua saúde mental. Agora, isso não é possível e fica por casa, não tem onde ir, vive sozinho dentro daquela casa enorme, composta por grandes divisões vazias e frias, vazias de tudo, os poucos móveis que a compõem parecem canoas num oceano, as janelas são despidas e o chão já viu tapetes e carpetes... pode não estar a ser fácil suportar a falta de convívio, a solidão que se estende!

Viver só tem o seu lado bom e o seu lado menos bom também. O nosso estado de espírito muito contribui para sentir as diferenças, as vantagens e desvantagens. Viver só nem sempre é uma opção, quase nunca é uma opção, as várias circunstãncias da vida empurram uns e outros das mais diversas formas para um viver só dentro de uma casa. Há pessoas que lidam muito bem com isso mas outras não

Atende:

- do outro lado: olá, está tudo bem contigo?

- sim, está tudo bem comigo e com a família graças a Deus, e tu, estás bem?

Assim começou a conversa: sabes, estava mesmo a precisar de falar com alguém e escolhi-te porque sei que me sabes ouvir, me sabes escutar, estava a ficar deprimido aqui em casa sozinho....e gosto de conversar contigo.... . Ali ficamos a conversar e a rir de tudo e nada durante um pedaço de tempo... criamos um momento de descontracção que acabou por ser bom para os dois. O filme continuava em espera.

O filme pode esperar, amanhã ele continua lá, enquanto que, para esta pessoa o facto de ter tido alguém para conversar tenha sido a coisa que mais luz tenha dado ao seu dia!

A pandemia, o confinamento, a solidão são uma factura muito alta que todos estamos a pagar!

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O meu olhar sobre#2#rosto de um idoso

Maria, 08.02.21

De olhar cansado pelos anos onde já não há lugar para as letras, a visão a falhar saída de uns olhos quase escondidos pelo sulco das rugas que os envolvem, existe uma serenidade que não foi roubada pelos anos de trabalho árduo. Um rosto outrora, robusto e queimado pelo sol, pelo frio e chuva encontra-se agora claro e flácido envolto numa rala cabeleira branca, também sinal de uma juventude que há muito o abandonou.

Segura a bengala que o ampara quando dá os seus pequenos passeios, porque as forças pujantes de outrora escasseiam agora mas, não obstante as dificuldades ele obriga-se a caminhar um pouco todos os dias, segue as recomendações do médico, diz que é bom para o coração e para os movimentos dos ossos e músculos. Os seus passeios são curtos mas o suficiente para que não perca mobilidade.

Sente uma saudade atroz do tempo em que trabalhava de sol a sol, de mexer na terra, da faina do tractor, de arrancar da terra o produto da sementeira, sente saudade de sentir a roupa molhada pela chuva, e do calor abrasador do verão, do cantar dos pássaros e dos passos que o levavam às terras.

Aos domingos ia à missa, nunca falhava antes da pandemia, gosta de lá ir, toda a sua vida foi, já não sabe se vai por devoção ou por hábito, é uma coisa que faz parte da sua vida. Agora não há, encara isso com alguma tristeza, diz o neto que se alguma vez voltar a ir tem que levar uma máscara, acha isso uma coisa estranha mas já se habituou a ver toda a gente de máscara...

Poucas são as coisas que o prendem à vida, já viveu muito, diz. A única coisa que lhe dá uma felicidade imensa, a mais importante do seu dia, é a visita dos seus filhos, conta os dias e as horas que faltam para eles chegarem, sabe exactamente quem vai  naquele dia e conta as mesmas histórias vezes sem conta, pequenos episódios da sua longa vida e lendas que ouviu contar. Agradece todos os dia a Deus pela sua vida e pede pela saúde da sua família.

Nota-se no seu rosto e nas suas mãos as marcas de uma vida árdua mas também de muito amor, e os seus olhos transmitem em cada momento a serenidade que o seu coração contém!

Carrega nos ombros o peso dos anos e a solidão dos dias!

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O meu olhar sobre:#1#Feira da Malveira

Maria, 05.02.21

Feira da Malveira em tempos de pandemia!

Coloco uma máscara azul bebé, igual a milhares das que se vêem por aí, pego no meu carrinho das compras que comprei em outros tempos nesta feira e dirijo-me ao recinto da feira. À entrada estão duas forças de segurança para garantir que se cumpram todas as regras de segurança no espaço. Os meus olhos fixam o paisagem que se abre à minha frente e, o que antes era uma área repleta de tendas, bancadas e gente, agora apresenta- com menos de um terço da sua capacidade. Apenas se vendem produtos alimentares e plantas. 

Num curto espaço de tempo e em liberdade de movimentos percorro aquele espaço, procuro aquilo que preciso, passo por uma senhora que tem poucos produtos mas tem uns nabos bonitos que me chamam a atenção e pergunto o preço, um euro e setenta e cinco cêntimos um molho de sete nabos, não hesito, compro, no supermercado custa sessenta cêntimos cada unidade. Noutra bancada compro uns enchidos e noutra os legumes que me fizeram ir à feira, grelos, nabiças, brócolos, couve, alho francês, alface, cebolas, coentros, laranjas e cenouras, o meu carrinho ficou cheio. Um dos motivos que me levam à feira é comprar cenouras com rama, não havia cenouras com rama, disse o feirante que o frio e o gelo queimou tudo. Trouxe cenouras sem rama! 

Estabeleço conversa com os proprietários desta bancada, de um modo desolado desabafam que quase não vale a pena ir à feira, os clientes são muito poucos, dizem que esta é uma feira de gente de mais idade e esses deixaram de lá ir.

Um sentimento de tristeza e desolação emerge dos olhares de quem vende, mas também de quem compra. Para muitos a feira também servia de motivo para simplesmente dar um passeio, isso agora não é possível, compra-se o que se tem de comprar e vai-se embora, as caras das pessoas nem as vemos, dois dedos de conversa com alguém conhecido não se dá, até porque não encontramos lá essas pessoas.  

Gosto de comprar produtos frescos nesta feira, gosto de percorrer as bancadas e escolher a que tem quase todos os produtos que preciso para aí  comprar, além de ser mais barato que nos supermercados, circulo em espaço aberto com o devido distanciamento e sinto segurança. Além disso, ainda ajudo estas pessoas nesta fase tão complicada de todas as vidas, que fazem disto o seu modo de vida e por conseguinte o seu ganha-pão.

Em cada bancada vejo um silêncio entorpecido, onde antes reinava a confusão e o barulho, vejo rostos pensativos e olhos vagos, vejo a espera do cliente que não vem, vejo a mercadoria em cima da bancada por despachar, vejo em cada rosto incerteza e uma resignação disfarçada....

Levanto os olhos na mesma direcção de outros olhares e observo nuvens muito negras, vem aí uma chuvada valente dizem algumas vozes, os poucos clientes que ainda circulam no espaço da feira apressam-se a dirigir-se à saída, querem chegar aos carros antes da chuva, eu faço o mesmo, as compras estão feitas. É hora de regressar a casa, ao confinamento das minhas paredes, ao conforto da minha casa e ao desabafo das letras.

No regresso pouco transito encontrei, poucas pessoas circulam nas ruas, sente-se uma nostalgia e uma solidão solidária no ar, um compasso de espera...! 

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(Imagem tirada da net)

Esta  a habitual Feira da Malveira em tempos anteriores à pandemia

Os Desafios da Abelha

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