Os saquinhos estavam dentro de uma taça grande em cima da mesa, neles estavam rebuçados, gomas e linguas de gato. O céu estava muito cinzento e a chuva caía em gotas grossas, escorriam pelas varandas e pátios e desaguavam nas caixas pluviais, as crianças não apareciam e os saquinhos ali estavam imóveis à espera.
No dia anterior tinha feito uma corrida contra o tempo para comprar e preparar com carinho aquilo que pretendia presentar as crianças neste dia tão especial para elas e para cumprir a tradição.
Noutro tempo, quando era criança, esperava por este dia com uma ansiedade algo desmedida. Era com alegria que saía para a rua em grupo com os irmãos e irmãs e também as outras crianças da rua, percorriam durante cerca de duas horas as ruas da aldeia com dois sacos, um de plástico para as pevides e tremoços e outro de pano que a sua mãe confecionava especialmente para o efeito para as restantes coisas que as pessoas iam dando, os sacos vinham cheios, á tarde entretinha-se a separar as goluzeimas que iria comer durante toda a semana.
Os saquinhos continuam á espera.
A chuva vai abrandando, a hora vai avançando e alguém toca a campainha, abre a porta e aí está o primeiro grupo de crianças, são oito, cada uma com o seu saco e o seu chapéu de chuva aberto, "há pão por Deus" pronunciam, a senhora responde que sim e que esperem um pouco, volta para dentro de casa e regressa com a taça grande, os saquinhos saltam da taça grande para os sacos das crianças "que bom, gomas" esclama uma, e uma a uma vão abrindo os sacos. Eles educadamente agradecem e seguem para outra porta.
Os outros saquinhos vão continuar à espera de resgate.
O mais divertido não eram própriamente as goluzeimas (embora fossem importantes porque na época não se tinha acesso a coisas doces com facilidade) era sim o convivio, o caminhar, o bater às portas e dizer "há pão por Deus" e vinham as senhoras distribuir o que tinham para dar. No entanto havia sempre alguém que fazia de propósito para não estar em casa nesse dia.
A chuva já parou, a campainha volta a tocar e mais um grupo aparece, os chapéus de chuva estão fechados, a taça grande volta a sair à rua e os saquinhos saltam para os sacos das crianças, esta cena se repete para mais alguns grupos destemidos da chuva que não quizeram deixar cair a tradição.