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Abrigo das letras

Abrigo das letras

Conversas com a Mãe

Numa das muitas conversas que tenho com a minha mãe, decorridas à sombra de um extenso chapéu de sol, sentadas em cadeiras de jardim, vamos ouvindo o canto de uma ave que a minha mãe diz ser de um pássaro cujo nome nunca ouvi falar que houvesse (deve ser ser um daqueles nomes exclusivos só utilizados em alguns pontos do país).

Mas eu dizia para a minha mãe - ó mãe isto é o canto de um cuco, tem todas as características de ser um cuco - e íamos ouvindo o seu canto ora de um lado ora de outro, porque a ave, embora não a víssemos, estava sempre a mudar de sitio. Eu cada vez mais convencida de que era um cuco.

Fui pesquisar acerca desta ave e comparar o som que ouvia com o som que saía do canto do cuco no telemóvel... ó mãe está a ver como o canto é igual.... acho que a convenci mas sei que não a venci.... com a idade que ela tem e agarrada que está às suas ideias, quem a consegue mudar?

O canto do cuco anuncia a primavera que já nos brindou com o sol, com as flores, com as andorinhas, com o chilrear dos pardais, com as nêsperas a começar a dar os primeiros sinais da sua cor. 

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A Esperteza do cuco

É uma espécie parasita, o que significa que, em vez de construir um ninho, deposita os seus ovos nos ninhos de outras aves, nomeadamente de pequenos insectívoros, como a ferreirinha-comum, o pisco-de-peito-ruivo e o rouxinol-pequeno-dos-caniços, entre outras espécies. As aves em cujos ninhos os ovos são colocados recebem o nome de hospedeiros e ficam com a tarefa de cuidar do jovem cuco até este ser independente.

No fim da primavera, a fêmea do cuco procura lares adoptivos para os seus ovos. Quando encontra um hospedeiro apropriado — aves cujos ovos se assemelham ao dos cucos — ela espera até que o ninho deixe de estar vigiado, retira um dos ovos do hospedeiro e substitui-o pelo seu.

Os filhotes do cuco também já apresentam um estratagema de sobrevivência traiçoeiro, aparentemente gravado geneticamente, pois, logo ao saírem dos ovos, empurram para fora do ninho os recém-nascidos autênticos de uma ninhada, tomando-lhes o lugar.

 

As memórias de uma casa

Por várias vezes tenho reparado naquela casa que tem na varanda um letreiro que diz "Vende-se". Soube há algum tempo que o seu proprietário morreu, ele vivia ali com uma senhora, pessoas "entradotas" na idade, para não dizer idosas, porque já o eram, pessoas que eu conhecia e que via várias vezes a passear de carro e também a almoçar num restaurante que eu regularmente frequentava.

 

O senhor morreu, quanto à senhora, nunca mais a vi. O jardim da casa estava sempre bem cuidado, as flores que o embelezavam estavam sempre coloridas, a piscina estava sempre azul. Agora, o jardim tem um aspeto pouco cuidado, a piscina está vazia, os estores estão sempre para baixo, a vida que existia naquela casa e naquele jardim desapareceu.

 

Hoje, quando passei por aquela rua, olhei para a casa, o letreiro já não estava lá. Certamente que já foi vendida.

A casa voltará a ter vida, a piscina voltará a ter gente a mergulhar nela, as flores voltarão a desabrochar bonitas e coloridas.

 

Os novos proprietários irão dar uma renovação à casa, com tinta nova irão apagar memórias que aquelas paredes testemunharam, irão apagar momentos de amantes que dentro daquelas paredes segredaram palavras que só eles ouviam. Com a substituição dos móveis irão apagar o conforto que se viveu afundado num sofá macio, irão apagar as noites passadas no aconchego de uma sala aquecida por uma lareira, irão apagar a azáfama que se viveu nas vésperas de natal na preparação da consoada. Com outras vidas, irão apagar as vidas que já se apagaram nas paredes daquela casa. Com a renovação da casa, irão apagar todas as memórias vividas, irão criar novas memórias....

 

Mas as memórias dos mortos não se resumem apenas às memórias que as paredes presenciam. Essas memórias podem-se apagar com o rolo e a tinta ou o papel de parede e a substituição dos móveis. As memórias dos mortos ficam na memória dos vivos que os amaram, aí sim, eles permanecem sempre vivos, independentemente das paredes que os protegeram!

A prenda dele para ela

Tinha muito carinho por aquelas rosas, alguém muito especial lhas tinha oferecido, eram três rosas vermelhas dotadas de um perfume perfeito. Tinham sido colhidas de um jardim, criadas ao ar livre. Ele tinha-lhe dito "não te posso oferecer mais nada, ofereço-te estas rosas com todo o carinho que o meu coração nutre por ti". Colocaras-as numa jarra de vidro, no quarto, sempre que passava por elas, tomava-lhes o perfume de perto, era como se um beijo recebesse. Poucos dias passados caiu a primeira pétala, sinal de que o seu fim estava muito próximo, no dia seguinte cairam mais. Foi recebendo as pétalas caídas num pequeno prato banhado a prata, iria deixá-las secar e guardá-las num saquinho de rede fina e colocá-las no armário da roupa. Assim, elas permaneceriam mais tempo com utilidade!

 

Na verdade, ninguém lhe tinha oferecido as rosas que também não eram vermelhas, ela própria as tinha colhido no jardim, a cena tinha se passado apenas na sua memória, ele já partira há muito tempo, mas tinha plantado aquela roseira antes de partir. Todos os anos naquela roseira floresciam aquelas rosas de perfume inconfundível, era a sua preferida. Quando as colhia sentia sempre que era ele que lhas oferecia. Este ano, a roseira ofereceu-lhe rosas no Natal, eram a prenda dele para ela!

(ficção)

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 (imagem tirada da net)

Aceito o café

Levantara-se com um propósito, no dia anterior tinham combinado aquele encontro, há muito que ansiava por ele. Não se viam há mais de três anos, mantinham uma amizade especial, não se tinha esquecido dele, embora se tivesse habituado a viver sem pensar nele. Naquele dia uma mensagem nas redes socias fez despoletar o que parecia estar esquecido.

Abrira o armário da roupa e procurara peças que combinassem bem entre si, queria se apresentar bem. Um pouco de batom, um pouco de perfume, estava pronta para sair, tinha expectativas!

Chegara ao local combinado, era um grande jardim público, as árvores seculares e imponentes estavam ali para presenciar um encontro entre duas pessoas que não se viam há muito tempo, que ansiaram uma pela outra sem o nunca o terem dito, tinham se afastado sem se nunca se terem tocado, apenas os seus olhos disseram o que as bocas calaram.

Agora, iam  se encontrar, ela estava ansiosa.

Sentara-se num banco, esperou, ele tardava, o telemóvel emitiu o som de uma mensagem a chegar, abriu a mensagem "não posso ir", apenas isto - não soube o que pensar.

Voltou a sentir aquele amargo no estomago, aquele amargo que se sente quando comemos algo que não sabe bem, desiludida, olhou triste o telemóvel e levantou-se, caminhou pelo jardim, olhou as flores, achou-as lindas e pensou - que direito tenho eu em estar triste por esta desilusão, se tenho a possibilidade de passear neste jardim lindo onde tudo cresce com uma beleza estonteante, onde a paleta de cores inebria, onde as árvores parece que conversam connosco.

Ao longe, observa um casal muito jovem de namorados que passeia de mão dada, riem e brincam - como é linda a juventude - pensa. O seu tempo de jovem já passou, também já passeou assim naquele mesmo local de mão dada com o amor da sua vida. As lembranças, são sempre as lembranças que vêem

Sai do jardim ainda com aquela sensação de desilusão, entra num café e pede um café, bebe-o sem acúcar, não suporta o café doce, alguém se aproxima dela e lhe pergunta se pode se sentar ali e pagar-lhe o café, - sim aceito o café!

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Relação amorosa

Quando, ainda menina habituara-se a ver a Senhora Alberta, mais conhecida por Berta, sentada no banco do automóvel em dias de sol, na companhia de um homem que era seu amante (um homem casado), os dois coversavam e desfrutavam a companhia um do outro, o sentimento que os unia, ela, ainda criança, jamais saberia. Nessa época, uma relação assim causava estranheza e era motivo de conversas nos lugares pequenos onde toda a gente se conhece e, onde toda a gente sabe tudo da vida uns dos outros. A Senhora Berta era uma senhora solteira (ou solteirona) como se  dizia na altura, de feições bonitas e finas, arranjava-se muito bem, vivia sozinha com o seu gato amarelo de pêlo macio e bem tratado. Era frequente vê-la no jardim a cuidar das suas plantas. Na Primavera, quando as roseiras começavam a florir, o jardim era uma explosão de rosas de todas as cores. Pelos seus modos educados e a forma cuidadosa que dedicava à sua aparência, era uma senhora diferente das restantes senhoras daquela aldeia. Porém, esta diferença não impedia que todos lhe dedicassem o devido respeito. Não tinha filhos nem sobrinhos, tinha aquele homem, o companheiro que lhe preenchia o vazio que habitava a sua alma e corpo. O Senhor X e a Senhora Alberta já não eram novos, iam envelhecendo unidos pela aquela relação ou aquele amor a que se tinham habituado. Certa altura, o senhor deixou de aparecer e soube-se na aldeia que tinha morrido. A senhora Alberta que só o tinha a ele, ficou entregue à sua solidão de mulher sem companheiro, sem filhos, sem sobrinhos, sem familia alguma. Entrou num estado de melancolia e tristeza e começou a definhar lentamente. Era difícil lidar com a perda e a idade um pouco avançada também não ajudava, a tristeza que lhe invadia a alma ia-a consumindo dia após dia, também não era senhora de muitas conversas. Tinha uma vizinha que era a sua única a amiga, que lhe dava algum conforto moral.  A senhora Alberta vivia numa boa casa, que era sua, pintada de cor verde, com o tal jardim que ela cuidava com a ajuda de um jardineiro. Quando adoeceu gravemente, a amiga cuidou dela com o amor e carinho como se de uma pessoa de familia se tratasse, a casa iria ficar para ela, estava escrito em testamento. A relação de amizade que estabeleceram ao longo dos anos foi o raio de luz que iluminou  os últimos e dificeis momentos da Senhora Alberta! 

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