Enquanto mergulho as mãos na água quente e lavo os pratos do jantar, ao mesmo tempo que ouço aquela pinga teimosa que cai naquele sitio sempre que chove, e o vento que fustiga lá fora abanando os ramos das árvores, vou pensando no que raio vou eu escrever sobre a proposta desta semana para o "desafio de escrita do triptofano" que apresenta uma carta cujo código é difícil de decifrar.
Vejo ali umas prateleiras repletas de frascos e garrafas, também uma moldura que encaixa uma fotografia de uma criança, talvez o filho do homem que se debruça sobre as combinações dos líquidos de forma a encontrar a fórmula perfeita do medicamento que lhe foi proposto realizar.
Imagino um local pequeno, escuro e frio, o sitio a que ele chama laboratório onde trabalha à luz da vela entre produtos quentes e frios, gasosos e não gasosos, uns químicos, outros adquiridos através de plantas, no caderno vai anotando todos os pormenores conseguidos e falhados para perceber onde pode melhorar ou o que tem de eliminar definitivamente. Aquele cérebro não pára. A ciência não pode parar.
A certa altura a mesma criança da fotografia aparece sorrateiramente à porta e diz:
- Pai, a mãe diz que são horas de parares, que são horas do jantar
- Sim, responde sem levantar os olhos do que estava a fazer, diz à mãe que vou mais tarde.
A criança sai pela mesma porta por onde entrou e ele não mais se lembrou que precisava de comer.
Tudo está devidamente rotulado e a foto da criança também se encontra em cima da mesa para lhe dar mais incentivo e coragem para continuar nas suas experiências.
A noite já vai alta, ele também se esquece que precisa de descansar, o seu metabolismo desregulado não o avisa dessas coisas tão próprias de qualquer ser humano e quando chega a manhã, o jantar ainda está em cima da mesa à sua espera e o seu lado da cama ainda está frio.
Esta foi mais uma noite que não foi à cama, a fórmula certa está difícil de encontrar, e ele é daquelas pessoas que não sossega, não dorme e não come enquanto não consegue obter o seu objectivo.
Tinha sido apanhada na sua própria teia por um lance diabólico daquele bispo que se fazia passar por sendo um homem de Deus. Tinham-na encurralado numa torre com as duas aias que lhe tinham sido permitido acompanhá-la. No frio e na escuridão daquela torre levava horas a imaginar uma jogada que derrubasse os cavaleiros do Rei.
Eles eram inteligentes e guiavam os seus cavalos com perícia, saltavam por cima de tudo e todos. Confinada áquela torre e tendo as duas aias sempre alerta, não tinha como sair dali, entretanto os homens de Deus assim como os cavaleiros do rei iam derrubando o povo, os seus aliados com a sua rainha confinada tinham pouca força , embora se esforçassem ao máximo para a libertar, sempre que o faziam perdiam alguém importante, o cerco era cada vez maior.
Ela era rainha, tinha poder e astúcia, tinha que sair dali de qualquer jeito, se o pensou melhor o fez, numa jogada muito arriscada, sacrificando uma aia, saiu.
Mais feroz que nunca, reuniu o povo e os poucos cavaleiros que lhe restava, em segredo delinearam uma estratégia, antevendo as possíveis manobras dos seus adversários agiram com inteligência, eram poucos mas eram bons. Iniciaram um ataque não descurando a defesa. Um após outro os adversários foram caindo e o cerco foi se apertando em redor do rei, até aqueles bispos, falsos homens de Deus caíram na armadilha arquitectada pela astuta rainha, e não havia mais escapatória para o rei. Aconteceu aquilo que estava escrito que aconteceria.
Não é meu hábito sair apenas para tomar um café, mas quando saio para as compras não passo sem ele, ao passar pela cafetaria o aroma do café chama-me, a cor e a textura do creme que se forma por cima como uma cama aveludada sorriem para mim de modo que não tenho como escapar e, "um café por favor".
levo a minha chícara de café para a mesa, sento-me, guardo o pacotinho de açúcar para outra utilidade, gosto do sabor genuíno que o café tem, por isso não o estrago adicionando açúcar, um pauzinho fino de madeira serve de colher que eu utilizo para mexer, perguntam vocês, "mexer o quê?". Então eu diluo aquele creme no café e tomo-o bastante quente, é tal e qual assim que ele me sabe pela vida.
Enquanto saboreio o liquido que me aquece o estômago e reconforta a alma, dou conta do disco verde que está em cima da mesa que leio com atenção e, enquanto elogio a iniciativa dou por mim a voltá-lo para ver do outro lado.
Se todos fizerem a sua parte, encontram neste local, sempre um espaço agradavelmente limpo. Uma forma inteligente de dar a conhecer que foi higienizado. Desde que esta pandemia nos apanhou que de uma forma geral eu não levanto nada da mesa que utilizo de forma a que se perceba que a mesa foi usada, mas com esta medida pode-se deixar a mesa limpa de louça e o disco voltado na face vermelha!
Tudo se resume a "uma questão de boas práticas" que podem fazer toda a diferença num local público!
Já se ouve ao longe a alegria das crianças, hoje é o dia delas, em grupos de dez ou de duas ou três, aí andam elas alegres a percorrer as ruas da aldeia com os seus sacos coloridos e muitos sorrisos no rosto. Ouve-se em uníssono "há pão por Deus". Quase revejo nestas crianças a menina que eu fui, quando alegre fazia os mesmos caminhos com a mesma alegria que eles (é tão bom ser criança). A chuva deu lugar a lindo dia, apenas com algumas nuvens, o S. Pedro a lembrar-se de que esta é uma festa das crianças e de que eles adoram este dia!
Também eu amo este dia, de propósito fico em casa para apaparicar estes meninos e meninas com rebuçados, gomas ou caramelos que vou deixando cair nos seus sacos de panos coloridos. Obrigada, obrigado, obrigada.... vou ouvindo de cada um à medida que as guloseimas vão caindo .... depois seguem quase cantando pele rua "há pão por Deus"!
E mais uma vez fiz a experiência de amassar uma broas, que ficaram deliciosas!