Tudo prometia um dia em cheio, os pormenores estavam alinhados, o espaço estava escolhido, a tenda estava montada, o peixe e todos os ingredientes necessários para a caldeirada estavam comprados, as pessoas estavam convidadas... era já a tradição, no "dia da espiga" juntarmos-nos todos e montarmos o arraial naquele lugar junto ao rio perto da foz para passar um dia a conviver, a comer, ouvir música e beber uns copos. O tacho da caldeirada estava pronto, o aroma que saía do tacho mais os aromas vindos das outras tendas e o cheiro do campo misturado com o cheiro do rio e do mar ali tão perto, abriam um apetite devorador!
O tacho no meio da mesa e os convivas à volta a servirem-se e a divertirem-se, nisto, aparece um grupo à entrada da tenda e perguntam: "há comer para mais um?" todos olhamos para a porta e realmente vimos, não uma pessoa mas um grupo com "Mais oito!" pessoas, ficamos de boca aberta sem saber se havíamos de continuar a comer ou parar porque, para mais um há sempre, mas, "para mais oito!?".
Tudo bem repartidinho, e porque nestes convívios se faz sempre comida com fartura, os "mais oito" juntaram-se à festa, houve comida, bebida, divertimento e festa para todos, e foi um dia em cheio como era suposto ser habitual nestes convívios!
Hoje é feriado municipal em alguns concelhos do país, celebra-se o "dia da espiga" que ocorre quarenta dias após a Páscoa.
Quando era ainda menina, costumava ir em grupo para o campo com outras crianças da minha idade, colhiamos flores amarelas, brancas, papoilas, um raminho de oliveira, espiga de trigo e também outros tipos de espigas ou flores que achavamos bonitas e podiam enfeitar os nossos ramos de espiga. Compunhamos assim um bonito ramo que traziamos para casa e penduravamos num determinado sítio de forma a poder ficar até ao próximo ano.
Felizes percorriamos grandes distãncias por caminhos tortos, outrora muito usados pelos burros. Carregados, transportavam das hortas e fazendas, os produtos que os seus donos produziam.
Esta era uma tarde de excelência passada com muita brincadeira, risadas e também faziamos jogos. Iamos até um sitio onde passava um pequeno rio. Ali, havia uma azenha antiga e para nosso contentamento demorávamos tempo a explorá-la e a tentar perceber como funcionava aquela engenhoca. O sítio era lindo, a água corria transparente se não tivesse havido chuva, alheia ao que se passava em seu redor, sentávamo-nos ali, à beira do rio e atirávamos pedras para poder ver a água saltitar, era ladeado por altas árvores e tudo em seu redor era vegetação verde de uma frescura entonteante, era um local de sonho. Para nós, crianças era um local de sonho para brincar e fazer os nossos jogos. Só vinhamos aqui no dia da espiga.
Durante o percurso que faziamos até ao rio iamos apanhando a nossa espiga, tinhamos que colher além das flores amarelas e brancas e as outras que serviam apenas para dar mais alegria ao ramo, era essencial que encontássemos:
A espiga de trigo, essa espiga representava o pão - o desejo para que nunca faltasse comida.
Raminho de oliveira - significa "Paz e Luz", a pomba da paz trazia no bico um raminho de oliveira e antigamente as pessoas davam luz á noite com lamparinas de azeite.
As flores - a cor das flores simboliza a alegria,
Os malmequeres - significam riqueza,
As papoilas - representam o amor e vida,
Alecrim - transmite saúde e força.
O sol já quase se punha no horizonte quando regressávamos. Tinha sido um dia para ficar na memória, para um dia contar aos filhos como era "apanhar a espiga" nos anos sesseta/setenta. Faziamos o caminho de regresso pelo mesmo caminho de ida ou por outro carreiro qualquer, eram dias que não cabiam em um só dia, era felicidade espelhada em cada rosto, era a natureza em todo o seu explendor vista pelos olhos das crianças!