Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Abrigo das letras

Abrigo das letras

As memórias de uma casa

Por várias vezes tenho reparado naquela casa que tem na varanda um letreiro que diz "Vende-se". Soube há algum tempo que o seu proprietário morreu, ele vivia ali com uma senhora, pessoas "entradotas" na idade, para não dizer idosas, porque já o eram, pessoas que eu conhecia e que via várias vezes a passear de carro e também a almoçar num restaurante que eu regularmente frequentava.

 

O senhor morreu, quanto à senhora, nunca mais a vi. O jardim da casa estava sempre bem cuidado, as flores que o embelezavam estavam sempre coloridas, a piscina estava sempre azul. Agora, o jardim tem um aspeto pouco cuidado, a piscina está vazia, os estores estão sempre para baixo, a vida que existia naquela casa e naquele jardim desapareceu.

 

Hoje, quando passei por aquela rua, olhei para a casa, o letreiro já não estava lá. Certamente que já foi vendida.

A casa voltará a ter vida, a piscina voltará a ter gente a mergulhar nela, as flores voltarão a desabrochar bonitas e coloridas.

 

Os novos proprietários irão dar uma renovação à casa, com tinta nova irão apagar memórias que aquelas paredes testemunharam, irão apagar momentos de amantes que dentro daquelas paredes segredaram palavras que só eles ouviam. Com a substituição dos móveis irão apagar o conforto que se viveu afundado num sofá macio, irão apagar as noites passadas no aconchego de uma sala aquecida por uma lareira, irão apagar a azáfama que se viveu nas vésperas de natal na preparação da consoada. Com outras vidas, irão apagar as vidas que já se apagaram nas paredes daquela casa. Com a renovação da casa, irão apagar todas as memórias vividas, irão criar novas memórias....

 

Mas as memórias dos mortos não se resumem apenas às memórias que as paredes presenciam. Essas memórias podem-se apagar com o rolo e a tinta ou o papel de parede e a substituição dos móveis. As memórias dos mortos ficam na memória dos vivos que os amaram, aí sim, eles permanecem sempre vivos, independentemente das paredes que os protegeram!

4 comentários

Comentar post