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Abrigo das letras

Abrigo das letras

A menina das tranças pretas

Sempre se achara uma menina sem graça, morena de pele maltratada, queimada pelo sol, vento e frio, olhos escuros, sobrancelhas espessas, um pequeno buço, cabelo igualmente escuro muito encaracolado, mal tratado e enrolado em duas longas tranças.

Calcorreava aqueles caminhos vezes sem conta de inverno ou verão, todas as estações do ano, tinha que ajudar os pais nos trabalhos do campo no intervalo da escola assim como os seus irmãos.

Pouca importância dava ao seu aspecto até entrar na adolescência e, sem dar por isso começou a olhar para si mesma e a comparar-se com as outras raparigas. Não gostava minimamente das suas longas tranças e achava que os cabelos curtos eram mais bonitos e davam pouco trabalho, não descansou enquanto não convenceu o seu pai a deixar-lhe cortar as tranças, ele sempre estivera renitente quanto a isso, as raparigas usavam cabelo comprido era próprio da natureza delas.

Um dia o seu pai cedeu, e a cabeleireira cortou-lhe as tranças, foi uma vitória alcançada, mas um erro tremendo do qual se iria arrepender toda a vida.

Nunca mais conseguiu deixar o cabelo crescer, o seu cabelo era demais encaracolado e muito farto, assim que crescia um pouco mais, já ela ficava com uma trunfa com a qual nem se podia olhar no espelho, a solução era cortar, cortar, começou a usá-lo sempre muito curto e já invejava as raparigas que tinham o cabelo comprido. O seu pai tinha razão. Que pena já tinha das suas fartas tranças.

Quando se é rapariga a despertar para o mundo pensa-se que se sabe tudo, o que existe afinal é uma grande ignorância própria da idade e nem sempre se gosta de ouvir as vozes que têm mais experiência de vida, até se acha que essas vozes é que são ignorantes, que não evoluem... assim foi com aquela menina, assim é com tantas meninas.

Entretanto a menina tornou-se mulher, o seu cabelo sempre curtinho, até que começou a aparecer uns fios prateados, um aqui, outro ali, ao principio não achou muita graça aquilo e foi arrancando. Quando já eram muitos desistiu e resolveu pintar, mais um trabalho, uma despesa e acima de tudo uma chatice.... durante anos pintou o seu cabelo, um dia também desistiu disso, descobriu que o seu cabelo era de um grisalho salpicado bonito. Foi elogiada por isso.

Apareceu uma pandemia, entre outros serviços também os cabeleireiros fecharam, o cabelo começou a crescer mais do que o habitual, estaria na altura de deixar crescer????

Crescer???.... sim, vamos experimentar, mas para isso teremos que o alisar.

A menina, agora mulher após uma vida inteira de cabelo curto, entra no cabeleireiro e diz que quer fazer um alisamento de longa duração. Dito, feito.

A principio achou-se estranha num cabelo que sendo dela não parecia ser o dela, a mudança foi tão radical, grisalho, liso e com algum comprimento. As outras pessoas que não a viam há algum tempo não a reconheciam, principalmente quando estava de máscara.... aquelas coisas que "primeiro se estranha e depois se entranha" .

Após dois anos de pandemia, dois anos o cabelo a crescer lisinho, já bate nas costas, vai aparando as pontas de vez em quando e está satisfeita com ele, embora várias pessoas que não estão habituadas à mudança dizem-lhe que ficava melhor o cabelo curto.

A Menina das tranças de outrora que existe na mulher madura que é hoje pouco se importa com a opinião dos outros em relação à sua pessoa, faz e usa aquilo que lhe dá prazer e a faz sentir bem na sua pele!

tranças.jpg

 

2 comentários

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    Maria 16.02.2022 16:31

    É verdade, a nossa pele será sempre a nossa pele mesmo que outros por vezes a queiram vestir!
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